Da Ficção à Realidade: Robôs Humanoides na China
Você teria um robô humanoide em casa para te ajudar nas tarefas diárias?
Essa pergunta pode parecer estranha, mas ela é mais real do que pode parecer.
Os robôs já dominam a automação industrial e, com os recentes avanços, estão a caminho de assumir funções muito mais próximas das atividades humanas cotidianas.
Nesta edição do Decode China, vamos explorar o desenvolvimento acelerado da robótica da China nos últimos anos e o papel chave dos robôs humanoides no enfrentamento aos desafios trazidos pelo envelhecimento da população chinesa. Também falaremos sobre o recém inaugurado Centro de Treinamento de Robôs Humanoides. Bora?
Já previam os desenhos animados…
Se você cresceu assistindo TV nos anos 80, você deve se lembrar da robô Rosie, do desenho animado Os Jetsons.
Exibido originalmente entre 1962 e 1963 nos EUA e no Brasil nos anos 80 pelo SBT, os Jetsons imaginavam um futuro em 2062. O avanço tecnológico projetado na animação era repleto de tecnologias que pareciam impossíveis na época: escovas de dente elétricas, portas automáticas e esteiras rolantes. Telefones com tela de vídeo, aspiradores de pó autônomos, assistentes pessoais (como a Siri e a Alexa), preparadores de alimentos automáticos (como a Thermomix), TVs 3D e carros voadores faziam parte do imaginário de futuro criado na década de 60.
A grande inovação tecnológica, no entanto, era a Rosie, uma robô capaz de executar tarefas domésticas e interagir com a família. Além de dar conta de todo o trabalho da casa, também cuidava das crianças e do cachorro.
Hoje a maioria dessas invenções faz parte do nosso cotidiano – e os robôs não estão distantes de entrar nessa lista. A ideia de um robô auxiliar parecia fantasia, mas já é uma realidade muito próxima na China, com a evolução dos robôs humanoides.
O que são robôs humanoides?
Diferente dos robôs industriais comuns, que são braços mecânicos ou máquinas fixas, os robôs humanoides são projetados para imitar o corpo e os movimentos humanos. Eles podem caminhar, pegar objetos e até interagir verbalmente, sendo utilizados em áreas como serviços, saúde e educação.
O boom da robótica na China
Desde a publicação do 13º Plano Quinquenal da China (2016-2020), a indústria robótica da China tem crescido de forma robusta e contínua, sendo a China, atualmente, o país detentor de 51% das instalações globais de robôs industriais e o maior mercado global no setor.
O impulso para essa transformação veio de políticas públicas nacionais focadas na automação industrial e na redução da dependência de fabricantes estrangeiros. O resultado é visível nos números: segundo a International Federation of Robotics (IFR), em 2023, a China atingiu a marca de 470 robôs para cada 10.000 trabalhadores, ultrapassando Alemanha (429) e Japão (419), e ficando atrás apenas de Coreia do Sul (1012) e Singapura (770).
Além da escala, os avanços tecnológicos foram determinantes para essa evolução. Componentes de alta performance, como servo drivers (controle de movimentos), sistemas de direção autônoma e mecanismos de alta precisão elevaram significativamente o desempenho dos robôs. Com isso, as aplicações se multiplicaram, expandindo o alcance da automação para setores cada vez mais complexos.
Curiosidade político-cultural:
Se você se interessa por saber como as coisas evoluem de forma tão consistente na China, aí vai um dos motivos: desde logo depois da fundação da República Popular da China, os Planos Quinquenais têm sido a espinha dorsal do planejamento governamental. Suas diretrizes são implementadas de cima para baixo, abrangendo todas as esferas do Estado e ajustadas a cada ciclo, conforme as necessidades e expectativas do momento.
O primeiro Plano Quinquenal (1953-1957) tinha um foco estritamente econômico, estabelecendo metas para o início da industrialização do país. Já o atual 14º Plano Quinquenal (2021-2025), considerando o momento atual, traça um caminho para que a China se torne uma economia “moderadamente desenvolvida” até 2035. Entre os objetivos estratégicos, está a redução da disparidade entre os padrões de vida urbanos e rurais, um dos desafios centrais para o futuro do país.
Voltando aos robôs…
Em janeiro de 2025, foi inaugurada a primeira instalação de treinamento de robôs humanoides heterogêneos da China, de nível nacional. É o Centro de Treinamento de Robôs Humanoides, em Shanghai. Entenda os números:
// Capacidade inicial para 100 robôs treinando simultaneamente
// Expansão prevista para 1.000 robôs até 2027
// Simulações realistas para testar interações em diversos ambientes
// Facilitação de colaboração entre diversas empresas

Este é o primeiro de muitos centros de treinamento que serão instalados no país para formar uma ampla plataforma de coleta de dados – precisa, eficiente e de baixo custo – voltada à otimização de algoritmos e ao desenvolvimento de novas aplicações. A redução de custos vem não apenas da colaboração eficiente na coleta de dados, mas também do uso de uma infraestrutura compartilhada, evitando projetos redundantes.
Conforme os números divulgados pelo cientista chefe do centro de treinamento, Jiang Lei, a estimativa é de que a China vá de ¥2,76 bilhões em 2024 (aproximadamente US$ 379 milhões) a ¥75 bilhões em 2029 (US$ 10,3 bilhões) – o que significa que o setor deve se expandir mais de 26 vezes nesse curto período.
Envelhecimento Populacional e o Papel dos Robôs na China
Agora, você já pensou na aplicação robótica para o cuidado dos idosos? Esse tem sido um assunto frequente na China em razão do tamanho da população idosa e imagens como essas estão circulando, com frequência, nas redes sociais chinesas:
A origem do envelhecimento da população na China
A China foi o país mais populoso do mundo por séculos (já não é mais, foi ultrapassado pela India em 2023). Na década de 70, preocupado com uma explosão populacional que poderia comprometer o crescimento econômico, a disponibilidade de recursos e a qualidade de vida da população, o governo chinês adotou medidas de controle para conter o crescimento populacional.
Curiosidade linguística e cultural
Na língua chinesa, a palavra 口人 (kǒurén), que significa “pessoas”, reflete uma conexão profunda entre população e alimento. O caractere 口 (kǒu) significa “boca” e também é usado para contar membros de uma família ou população, enfatizando que cada indivíduo representa uma boca a ser alimentada.
Essa relação está enraizada na história da China, onde a segurança alimentar sempre foi um fator crítico para a estabilidade social. Durante séculos, o governo chinês regulou a produção agrícola e o crescimento populacional para evitar crises de fome. O próprio conceito de governança incluía a responsabilidade de garantir que houvesse comida suficiente para todas as “bocas”.
A política de limitação de filhos para dois por família e o aumento da idade mínima para casamento foram adotados em 1973, como parte da campanha 晚婚晚育,少生优生 (“Casamento tardio, procriação tardia, menos nascimentos, nascimentos de qualidade”). Em 1980, foi implementada a política do filho único (“One Child Policy” ou 计划生育政策), com exceções para minorias étnicas e famílias rurais cujo primeiro filho fosse menina.
Essa política causou um grande desequilíbrio de gênero, dada a preferência cultural e social por crianças do sexo masculino naquele momento – em 2021, havia 30 milhões de homens a mais do que mulheres na China. A taxa de fertilidade também foi reduzida drasticamente e chegou a 1,3 nascimentos por mulher em 2020, bem abaixo da taxa de reposição populacional de 2,1.
Desde 2013, o governo tem flexibilizado as regras para estimular a natalidade, mas sem sucesso em reverter a tendência de queda. Ao mesmo tempo, a China enfrenta um envelhecimento acelerado da população devido ao aumento da expectativa de vida.
🚨 O desafio: Tradicionalmente, os filhos cuidam dos pais idosos (养儿防老 - yang er fang lao), mas com famílias formadas por filhos únicos, essa estrutura está em colapso. Quem cuidará dos idosos no futuro?
Está gostando da nossa newsletter? Não esqueça de assinar para receber uma nova edição cada 15 dias.
A resposta do governo chinês: robôs humanoides como futuros cuidadores
Em janeiro de 2025, a China lançou diretrizes priorizando o desenvolvimento de robôs humanoides para assistência a idosos.
Até 2029, pretende-se criar uma rede nacional inovadora de cuidados, diante da capacidade limitada de apenas 8,2 milhões de leitos para idosos.
🔹 Primeira fase: robôs programados para companhia emocional, monitoramento de saúde e assistência doméstica.
🔹 Plataforma nacional: todos os atendimentos serão integrados em um sistema ainda em desenvolvimento.
🔹 Moradias adaptadas: tecnologia para casas inteligentes, serviços de alerta e adaptação de espaços para idosos.
Os robôs poderão auxiliar no monitoramento da saúde, emergências, tarefas domésticas, gerenciamento de medicamentos e mobilidade. Também poderão acompanhar idosos em atividades externas e de lazer.
O governo chinês aposta na tecnologia para enfrentar um dos maiores desafios do século: cuidar de uma população que envelhece rapidamente em um país com poucos jovens.
AGORA É FICAR DE OLHO NAS NOVIDADES QUE DEVEM APARECER NO MERCADO E ENTENDER QUANDO ELAS ESTARÃO DISPONÍVEIS FORA DA CHINA, E AGUARDAR MAIS NEWSLETTERS DO DECODE CHINA COM NOVIDADES NA ÁREA DA ROBÓTICA.
Em paralelo, enquanto essa tecnologia não bate a nossa porta, talvez valha a reflexão: quanto esses avanços tecnológicos, que podem solucionar inúmeros problemas da humanidade, geram impactos nas relações pessoais e quais seriam esses impactos?
Para saber mais:
Aqui tem muitas informações de mercado interessantes.
Vídeo nas redes sociais sobre um robô que auxilia o trabalho dos policiais na China.
Pra mergulhar um pouquinho na indústria robótica em Shenzhen.
Ótima análise do cenário, obrigado pelo texto! Muito doido ver essa realidade cada vez mais próxima. A aplicação dos robôs aos cuidados dos mais velhos gera pensamentos e sensações misturadas em mim. Por um lado, que bom! Por outro, que triste. Primeiro os idosos são descartados pelas famílias que não os cuidam mais, depois os robôs serão. Impossível não lembrar daqueles lixões de eletrônicos com milhões de bicicletas “compartilhadas” jogadas fora. Dessa vez, robôs. Cemitérios humanos e eletrônicos, lado a lado. O robô que cuida do idoso, já já cuida do bebê também. E vai cuidar do adolescente depois. Espero que isso não seja o início do fim da nossa habilidade de se importar e cuidar um do outro — que já está bastante danificada.